sábado, 27 de novembro de 2010

"TRINDADE ONTOLÓGICA" E "TRINDADE ECONÔMICA"

INTRODUÇÃO

A razão da unidade da Divindade é a completa ausência de diferenças entre as pessoas no tocante a atributos divinos como poder, glória, majestade, soberania, eternidade, onipotência, onisciência e onipresença. Sendo assim, existem atributos comuns às três pessoas da Trindade, ao passo que outros são exclusivos de uma ou duas pessoas.

Os membros da Divindade possuem a mesma honra, majestade e glória, ou seja, todos constituem a natureza de Deus, mas é de vital importância também apresentarmos alguns conceitos concernentes não somente ao relacionamento intratinitário, que ocorre no Ser de Deus entre as três subsistências pessoais: Pai, Filho e Espírito Santo, mas também intertrinitário, o relacionamento entre Deus e a Sua criação.

A Confissão de Fé de Westminster expressa de forma resumida esta questão. No seu Capítulo II, que trata “De Deus e da Santíssima Trindade”, no artigo 3º, ela afirma:

“III) Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade - Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O Pai não é de ninguém – não é gerado, nem procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho.” (p. 32).

Mas, este artigo da Confissão expressa apenas a igualdade de ser em Deus (ontológica) e precisamos analisar também a distinção de papéis com a criação e a subordinação de relacionamento em Deus (econômica). Há, portanto, uma igualdade ontológica e uma subordinação econômica. Se não houvesse igualdade ontológica (de ser) nem todas as pessoas seriam plenamente Deus.

Trindade Ontológica

Ela tem a ver com o que Deus é, com sua essência ou natureza, onde estudamos a questão das três pessoas da Divindade e o relacionamento existente entre elas. São obras que acontecem dentro do Ser divino, na eternidade, à parte de qualquer contato com algo externo, são apresentadas em unidade, são eternas e imutáveis, pessoais e essenciais.

Estas obras não são resultantes da vontade de Deus, pois Ele não decretou ser o que é, nem houve um momento no tempo em que Ele não tenha sido o que sempre foi e será (diferentemente de Suas obras, que ocorrem no tempo). Em outras palavras, a paternidade de Deus, a geração do Filho pelo Pai e a processão do Espírito do Pai e do Filho não são obras acidentais, mas essenciais.

Vamos observar cada um destes pontos fundamentais:

1º) Paternidade: Ser Pai é exclusivo da Primeira Pessoa da Trindade. Quando alguém se torna pai, sua natureza não muda, da mesma forma com Deus, mas, há uma diferença. Deus Pai é Pai eternamente, jamais houve um tempo que Ele não o fosse.

2º) Filiação: É um atributo pessoal exclusivo ao Filho, da Segunda Pessoa da Trindade, não ao Ser divino completo. Ele é eternamente Filho do Deus Pai e não do Deus Espírito e nunca houve época em que não o fosse. Ele é eternamente gerado do Pai.

Há várias testemunhas do fato da paternidade e filiação: O Pai (Mt 3:17; 17:5; Hb 1:8); o Filho (Mc 14:61-62; Jo 19:7), os anjos (Lc 1:31,35), os demônios (Mt 8:28-29; Mc 3:11; Lc 4:41), os discípulos (Mt 16:15-16; Jo 1:34,39; 11:27; At 8:37), os apóstolos em suas pregações (At 9:20; 2Co 1:19) e até os homens ímpios (Mt 27:54).

3º) Processão: O atributo de proceder do Pai e do Filho é propriedade pessoal do Espírito Santo, não da totalidade do Ser divino. O Espírito procede ou é espirado tanto do Pai (Jo 15:26), como do Filho (Jo 16:7). Da mesma forma como vimos a respeito do Pai e do Filho, nunca houve um tempo que o Espírito não procedesse de ambos.

O Espírito Santo é “um” com Cristo e com Deus Pai. Ele é também chamado de Espírito de Jesus (At 16:7), Espírito de Cristo (Rm 8:9; 1Pe 1:11), Espírito de Jesus Cristo (Fp 1:19), Espírito do Senhor (At 5:9; 8:39; comparem com 2Co 3:14-18), Espírito do Filho de Deus (Gl 4:4-6), Espírito de Deus (Rm 8:9,14; 1Co 2:6-16; 3:16; 2Co 3:3; 1Ts 4:8) e Espírito do nosso Pai (Mt 10:19-20; comparem com Lc 11:13; 1Co 6:19; 1Ts 4:8).

Mais uma vez temos as palavras do Pr. W. E. Best, em seu artigo “A Divina Trindade”, a respeito desta questão:

“Se não houvesse nenhuma trindade na natureza Divina, a Paternidade em Deus teria um princípio e teria um fim. Além do mais, a Filiação não seria uma perfeição, mas imperfeição, pois existiria somente para um propósito temporário. O mesmo que é dito do Filho pode ser dito do Espírito Santo. Visto que a paternidade e a filiação são eternas em Deus, a lei de amor requer que os cristãos se conformem a Deus em ambos aspectos, como a mais alta dignidade do ser deles. A reciprocidade de afeição data além do tempo. Um pai humano pode ser tanto pai como filho. Contudo, isso não pode ser verdade da Pessoa Divina. Uma pessoa humana pode ser um filho e não um pai, mas tornar-se um pai subseqüentemente. Tal mudança na Deidade destruiria a imutabilidade. As três Pessoas na Deidade são co-eternas. Elas existem lado a lado, mas não independentemente ou separadamente.” (http://www.monergismo.com/textos/trindade/trindade_divina_best.htm).

Os termos “geração” e “processão”, convém afirmar, da mesma maneira que ocorre com o termo “pessoa”, como afirmamos anteriormente:

“(...) são apenas expressões aproximadas da verdade e, através de outras declarações bíblicas, devemos corrigir quaisquer impressões imperfeitas que podemos derivar somente delas. Empregamos estes termos em um sentido especial, que explicitamente estabelecemos e definimos excluindo toda a noção de desigualdade entre as pessoas da Trindade.” (A. H. Strong, “Teologia Sistemática – Vol. I”, p. 506).

Esta ordem eterna existente no Ser essencial de Deus é a base da qual se oriunda as funções específicas nas pessoas da Divindade, originando a Trindade econômica.

Trindade Econômica

Diz respeito ao modo como as coisas são feitas pelas pessoas da Trindade, embora a Divindade triúna trabalhe co-exista em unidade, as três pessoas possuem uma maneira própria e exclusiva de agir com o mundo criado (criação, providência ou redenção).

A expressão “economia” se baseia no significado já obsoleto de “ordenamento de atividades”, como antigamente costumava-se mencionar, por exemplo, a economia doméstica para as atividades não somente financeiras, mas de todas as atividades da casa.

Sobre as funções de cada pessoa da Trindade, Calvino afirmou que:

“Concluímos, portanto, que quando a palavra ‘Deus’ é usada de modo simples e indefinida, ela pertence ao Filho e ao Espírito tão verdadeiramente quanto pertence ao Pai; mas quando, por exemplo, o Pai é comparado com o Filho (em expressões tais como ‘O Pai ama o Filho’, ou ‘o Pai enviou Seu Filho’) cada pessoa divina é distinguida uma da outra por aquilo que peculiarmente lhe pertence (...)” (“As institutas da Religião Cristã – Um Resumo”, p. 62).

Bavinck também considerou sobre este assunto:

“(...) A unidade e a diversidade das obras de Deus se originam da unidade e diversidade que existem no Ser divino. Esse Ser é um Ser, singular e simples. Ao mesmo tempo Ele é tripartido em Sua pessoa, em Sua revelação e em Sua influência. Toda a obra de Deus é compacta e indivisível, mas ao mesmo tempo compreende a mais rica variedade (...)” (“Teologia Sistemática”, p. 157).

Embora haja a co-igualdade das três pessoas da Divindade, ou seja, não exista uma subordinação na essência divina, existe uma subordinação de função, que é própria da Trindade econômica.

O Deus triúno trabalha de forma que cada uma das pessoas opere diferenciadamente e nelas o Filho e o Espírito estão em uma função de subordinação, com a finalidade supra de que os eternos decretos de Deus Pai sejam cabalmente cumpridos.

A subordinação do Filho ao Pai é caracterizada pelo fato do primeiro ter sido enviado pelo segundo, e não o contrário, como uma questão de precedência na eternidade, na forma de autoridade funcional (Jo 7:29; 14:16). É caracterizada também pelo fato do Filho obedecer a vontade do Pai (Jo 4:34; 14:31) e não poderia ser ao contrário, se não o Pai deixaria de sê-lo e o Filho também. O Filho recebe autoridade do Pai (Jo 17:2) que será devolvida quanto todas as coisas da redenção forem completadas (1Co 15:28).

A subordinação do Espírito ao Filho e ao Pai revela-se pelo fato do Espírito ter sido enviado pelo Filho (Jo 16:7) e pelo Pai (Jo 14:26) e só revelar o que o Filho lhe ordenou (Jo 16:13-14).

O Filho e o Espírito não são inferiores ao Pai ou de importância menor nas relações interpessoais.

Louis Berckof, sobre esta questão afirmou, entre outras coisas, que:

“A única subordinação de que podemos falar é uma subordinação quanto à ordem e ao relacionamento.” (“Teologia sistemática”, p. 84).

Complementando este assunto, temos as palavras de Wayne Grudem:

"(...) Não podemos dizer, por exemplo, que o Pai é mais poderoso ou mais sábio que o Filho ou que o Pai e o Filho são mais sábios que o Espírito ou um existia antes do outro (...)” [p. 183] “(...) Embora, as pessoas da Trindade sejam iguais em todos os seus atributos, assim mesmo diferem nas suas relações com a criação. O Filho e o Espírito Santo são iguais em divindade a Deus Pai, mas são a Ele subordinados nos seus papéis (...)” [p. 184] “(...) As únicas distinções entre os membros da Trindade estão nas formas como se relacionam uns com os outros e com o restante da criação (...)” [p. 185] (“Teologia Sistemática”).

Não poderíamos deixar de mencionar as seguintes considerações de Strong:

“(...) A subordinação da pessoa do Filho à do Pai, ou, em outras palavras, uma ordem de pessoalidade, ofício e operação que permite ao Pai ser oficialmente o primeiro, o Filho o segundo e o Espírito o terceiro é perfeitamente consistente com a igualdade. Prioridade não é necessariamente superioridade (...)” (Strong, “Teologia Sistemática - Vol I”, p. 507).

Todo trinitarista acredita, baseado nas Escrituras que, enquanto viveu entre os homens, Cristo estava em uma posição de submissão ao Pai, que, por sua vez, era exaltado no Céu, enquanto o Filho era humilde, tendo abdicado temporariamente de Sua glória, mas não de Sua divindade. Inclusive é mencionado que o Pai era maior do que Cristo (Jo 14:28). Ora, era necessário que Jesus Cristo honrasse ao Pai enquanto possuidor de uma natureza humana que fora criada, que se unira à Sua eterna natureza divina (sobre este assunto trataremos mais detalhadamente mais adiante).

Contudo, esta questão se torna mais complexa pelo fato de que esta submissão de Cristo ao Pai ultrapassa a Sua vida histórica na Terra. Cristo fora enviado ao mundo pelo Pai (1Jo 4:9), o que deixa transparecer que em algum sentido Cristo estava em submissão ao Pai antes da encarnação. Porém, Cristo, ao encarnar, tornou-se um servo de Deus (Fp 2:8), dando a entender que Ele não estava naquele relacionamento (entre servo e senhor) com o Pai antes de tornar-se homem. Em contrapartida, após a ressurreição e a ascensão, Cristo prosseguiu referindo-se ao Pai como Seu Deus (Jo 20:17; Ap 3:12) e considerando Deus Pai como Seu ‘cabeça’ (cf. 1Co 11:3).

Podemos resolver esta aparente contradição com as seguintes posições trinitarianas:

Primeira: Tanto na Trindade ontológica como na econômica, o Filho sempre foi distinto do Pai e sempre o será, apesar de ambos possuírem a mesma essência. Aliás, deve-se dar a mesma honra tanto ao Pai como ao Filho (Jo 5:20-23);

Segunda: Na Sua natureza humana adquirida e unida à Sua natureza divina, Jesus Cristo sempre honrou ao Pai como Seu Deus;

Terceira: Mesmo antes da encarnação, Cristo se ofereceu (vicária e espontaneamente) a representar o Pai diante da humanidade e sempre buscou honrar ao Pai;

Quarta: Na Sua natureza divina (eterna e infinita como a do Pai e a do Espírito), Cristo sempre foi plenamente Deus e sempre será, como o Pai e o Espírito também o serão; e

Quinta: Como afirmamos anteriormente, devido à Sua humanidade adquirida, Cristo possui um relacionamento com Deus Pai diferente daquele que possuía antes da encarnação. Portanto, na Sua natureza divina, Ele é essencialmente idêntico ao Pai, embora no relacionamento, subordinado ou submisso ao Pai, depois de tornar-se também ser humano.

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